BRASÍLIA – Em alegações finais apresentadas nesta segunda-feira (7) ao Supremo Tribunal Federal (STF), o Ministério Público Federal (MPF) reiterou o teor das denúncias e requereu a condenação de 40 pessoas acusadas de participar dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro, em Brasília. Os réus respondem por cinco crimes: associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, com emprego de substância inflamável, contra o patrimônio da União e com considerável prejuízo para a vítima, todos do Código Penal, além de deterioração de patrimônio tombado. Somadas, as penas podem chegar a 30 anos de reclusão.
Para o coordenador do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos da Procuradoria-Geral da República (PGR), Carlos Frederico Santos, “a pena a ser aplicada aos acusados deve ser exemplar por se tratar de crimes graves praticados em contexto multitudinário que visavam a implantar um regime autoritário no lugar de um governo legitimamente eleito”. As petições detalham os fatos registrados no dia da invasão aos prédios do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e STF a partir de provas reunidas durante quase oito meses de investigação. Entre elas, estão registros fotográficos e em vídeo, documentos como relatórios de inteligências, autos de prisões em flagrante e depoimentos de testemunhas e dos próprios réus. Por tratar-se de crimes multitudinários, as alegações finais têm uma parte comum a todos os réus, mas também contemplam informações individualizadas.
As alegações finais rebatem os argumentos apresentados pelas defesas dos acusados, apontando a existência de provas de que “o propósito criminoso era plenamente difundido e conhecido” pelos denunciados antes do dia 8 de janeiro. Também afirmam que, tendo como pano de fundo uma suposta fraude eleitoral e o exercício arbitrário dos Poderes Constituídos, a associação criminosa insuflava as Forças Armadas a tomar o poder e agia com dolo para tentar impedir de forma contínua “o exercício dos Poderes Constitucionais e ocasionar a deposição do governo legitimamente constituído”. Para os investigadores, não há dúvidas de que os acusados incitaram o Exército para que fosse às ruas para estabelecer e consolidar o regime de exceção pretendido pelo grupo, àquela altura, acampado em Brasília.
Ao detalhar os atos registrados em 8 de janeiro, Carlos Frederico Santos pontua que, conforme registros de câmeras de segurança, a multidão rompeu a barreira de contenção policial por volta das 14h15, avançando em seguida para as sedes dos Três Poderes, que só foram desocupadas por volta das 19h, após intervenção das forças de segurança. As informações reunidas durante as investigações demonstram, segundo os investigadores, “uma coordenação na execução da empreitada criminosa”, o que pode ser constatado pela forma com que se deu a ocupação. As invasões aos três prédios ocorreram no intervalo entre 15h e 15h35, com grupos diferentes em cada local.
As petições descrevem um encadeamento de fatos, executados de forma sucessiva pelos autores das invasões, os quais, segundo o entendimento da PGR, tinham como propósito resultados lesivos, que em parte (o vandalismo) foram efetivados. São mencionados ainda a instigação de um movimento contra os Poderes constituídos e o governo recém-empossado, a arregimentação de pessoas dispostas a “tomar o poder”, o deslocamento desse grupo para a capital federal, a omissão de agentes públicos responsáveis por garantir a segurança dos locais invadidos, o início da execução do plano, com a superação das barreiras policiais, e a consumação dos crimes.
Articulação prévia – Um dos pontos citados nas alegações finais – inclusive na caracterização da organização criminosa – é a constatação de que a organização dos atos de se deu de forma antecipada e com ampla difusão de mensagens de teor convocatório. Carlos Frederico Santos destaca o Relatório de Inteligência 06/2023/30/SI/SSP/DF, datado de 6 de janeiro de 2023, com referências a atos previstos para o período entre os dias 6 e 9 de janeiro. O documento lista quatro aspectos relacionados ao movimento, entre os quais, a possibilidade de invasão e ocupação de órgãos públicos.
Também são mencionados o fato de o grupo ter a participação de Caçadores, Atiradores e Colecionadores de Armas de Fogo (CACs) e a possibilidade de ocorrerem bloqueios em refinarias e/ou distribuidoras. “Nesse mesmo sentido, os Informes de Inteligência produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), amplamente divulgados em fontes abertas já noticiavam risco de ações violentas contra edifícios públicos e autoridades, destacando-se que haviam incitações para deslocamento até a Esplanada dos Ministérios, ocupações de prédios públicos e ações violentas”, frisam as petições.
As manifestações reproduzem trechos de depoimentos de testemunhas, como a de policiais legislativos que estavam no prédio do Senado e atuaram para conter a horda de invasores. As falas não deixam dúvidas quanto à violência empregada pelos invasores, seja nas palavras proferidas, seja nos ataques aos bens públicos. “A presença de indivíduos armados, componentes da associação criminosa, é irrefutável. As declarações prestadas pelas testemunhas noticiam a utilização de objetos como armas no ataque às forças de segurança durante a invasão aos edifícios públicos”, afirma um dos trechos. No local, foram apreendidos canivetes, facas, machadinhas, explosivos e máscaras, entre outros objetos.
Confirmação de autoria e materialidade – A PGR apresenta longo e aprofundado relato que sustenta tanto a autoria quanto a materialidade de todos os crimes apontados nas ações penais. Cada prática foi detalhada e enquadrada na respectiva previsão legal. No caso da abolição violenta do Estado Democrático de Direito, por exemplo, as alegações finais destacam que essa intenção estampou faixas e cartazes levados e amplamente divulgados pelos invasores, além de constar de diversas manifestações do grupo, inclusive no momento das invasões.
Prejuízos – Os prejuízos materiais já calculados pelos órgãos públicos atingidos pelos atos chegam a R$ 25 milhões: R$ 3,5 milhões, no Senado; R$ 1,1 milhão na Câmara dos Deputados; R$ 9 milhões no Palácio do Planalto (considerando apenas as obras de arte danificadas) e R$ 11,4 no Supremo Tribunal Federal. Entre as penas previstas para os crimes, está o ressarcimento integral dos danos.
Crimes multitudinários – Uma das sessões das alegações finais apresentadas por Carlos Frederico Santos é destinada à explicação para crimes cometidos por multidões, situação registrada nos atos antidemocráticos, na avaliação do representante da PGR. As peças reproduzem entendimento de diversos juristas acerca do tema, os quais apontam a existência de elementos como sugestão e imitação e a configuração de uma espécie de “alma nova” em movimentos que se agrupam para um objetivo comum, unidos por um vínculo subjetivo.
Ainda de acordo com as petições, as práticas criminosas registradas em contextos multitudinários configuram o chamado concurso de pessoas quando se verifica: a pluralidade de agentes traduzida na pluralidade de condutas; a relação de causalidade material entre as condutas e o resultado; o vínculo de natureza psicológica ligando as várias condutas; e a existência de um fato punível. Para a PGR, essas condicionantes foram verificadas e comprovadas nos atos registrados no dia 8 de janeiro.
Ainda de acordo com as manifestações encaminhadas ao relator do caso no STF, o ministro Alexandre de Moraes, é irrelevante discriminar qual ou quais bens cada denunciado danificou, por exemplo. Isso por que, pelas provas reunidas, “os crimes, praticados em contexto de multidão, somente puderam se consumar com a soma das condutas e comunhão dos esforços de todos que, unidos pelo vínculo psicológico – propósito comum ou compartilhado -, contribuíram efetivamente para a realização dos resultados pretendidos”. Como consequência, o pedido é que no julgamento dos réus sejam consideradas as regras do caput do artigo 29 do Código Penal, que trata do concurso de pessoas, e as do artigo 69, referente ao chamado concurso material.
Ipolítica, com informações da PGR