Autoridades maranhenses investigam denúncias de maus-tratos, espancamento, estupro e até mortes em três clínicas psiquiátricas de São Luís. Familiares de pacientes estão revoltados.
O Francisco tinha 38 anos e um transtorno bipolar, mas levava uma vida quase normal quando não estava em crise. No dia 24 de novembro, quando teve uma das crises, precisou ser internado na clínica São Francisco, que trata de pacientes com transtornos mentais. Foram quatro meses internado, dois deles sem autorização para receber visitas.
“Na primeira visita eu não vi ele, na segunda visita já vi ele bem magro, descalço, os pés todo rachados e com o pé direito arrancada a unha. Lerdo, lerdão. Nunca tinha visto meu filho naquela situação”, afirmou Maria das Graças de Souza, mãe do Francisco.
Sem qualquer aviso para família de alta médica, o Francisco foi deixado em casa por uma assistente social da clínica. De 86kg que tinha quando foi internado, ele estava pesando 40.
“O que a gente percebeu foi uma situação de abandono, né. Sob o ponto de vista de acompanhamento médico, medicação, houve obstrução do acesso à família. Ele ficou dois meses sem ter acesso à família, ele ficou dois meses sem ver a família em situação de maus tratos”, declarou o defensor público Eviton Rocha.
“O que a gente percebeu foi uma situação de abandono, né. Sob o ponto de vista de acompanhamento médico, medicação, houve obstrução do acesso à família. Ele ficou dois meses sem ter acesso à família, ele ficou dois meses sem ver a família em situação de maus tratos”, declarou o defensor público Eviton Rocha.
Mais mortes de pacientes psiquiátricos
O caso de Francisco não é considerado um caso isolado. Autoridades maranhenses apuram outros casos de mortes de pacientes em clínicas psiquiátricas em São Luís e Região Metropolitana. A Defensoria Pública e a Polícia Civil investigam denúncias de maus-tratos, espancamentos e até estupro ocorridos nesses locais.
Há seis anos, a família do Vitor Alves Sales, de 21 anos, busca respostas. Ele morreu no hospital Socorrão 2, após ser encaminhado pela clínica São Francisco, onde estava internado para tratamento havia 16 dias. Ele apresentava sinais de espancamento, segundo a família.
“Quando eu cheguei lá no Socorrão II, que eu vi o estado do meu filho já na pedra, que eu abri lá o zíper. Ele estava lá todo espancado, tipo, olho roxo, braço esquerdo todo roxo, o dente dele quebrado, as partes íntimas dele tudo roxo. […] Disse que ele teve um traumatismo craniano. Não sei se bateram muito na cabeça dele. O que fizeram realmente ali naquela clínica, eu não entendi até hoje”, conta Claudileide Sales, mãe do Vitor.
A clínica informou que o Vítor também morreu de pneumonia e negou maus tratos. O caso ainda está sendo investigado, assim como algumas imagens feitas com um drone, em maio de 2021, que mostram o pátio da clínica e o que parece ser um paciente sendo arrastado por funcionários.
Relatório de 2018 viu problemas em clínicas
Em 2018, órgãos de fiscalização concluíram um relatório que sobre a situação das clínicas psiquiátricas da ilha de São Luís e encontrou diversos problemas de estrutura e de higiene. Na clínica São Francisco havia colchões em péssimas condições, banheiros sem vasos sanitários e insalubres, cheiro de esgoto e de fezes nas enfermarias, ausência de ventiladores ou ar-condicionado.
Na clínica La Ravardiere, a situação era parecida, com pacientes desorientados pelos corredores e falta de higiene. No hospital Nina Rodrigues, havia pacientes amarrados ao leito. Em algumas alas, havia beliches amontoados e 11 pacientes sem cama, dormindo em colchões no chão.
Com tantos elementos, o Ministério Público abriu inquéritos cíveis e criminais contra as clínicas.
“Nós já temos vários processos judiciais em tramitação, em face de várias irregularidades sanitárias, em todos os sentidos, sentido de maus-tratos, de cuidados de seguimento de protocolos. De condições de higiene, né? “, afirmou Herbert Figueiredo, promotor de Justiça.
A seu Antônio Dantas fez um boletim de ocorrência depois que encontrou o filho dele, André de Sousa, de 19 anos, com sinais de abuso sexual no Hospital Nina Rodrigues. Ele conta que o filho foi levado ao hospital, mas o médico não teria examinado o jovem.
“Ele estava em pé, como quem estava sentindo dor, sem roupa e com a camisa dele tirada e o calção dele tirado”, contou o pai da vítima.
O governo do Maranhão informou que o especialista do Socorrão I detectou que o rapaz tinha uma lesão provocada por hemorroida.
Morte após sinais de espancamento
A Leuda Maria também espera por Justiça. Em 2017, o irmão, José Luís Pinheiro, de 49 anos, saiu da clínica La Ravardiére direto para uma Unidade de Pronto-Atendimento UPA com sinais de espancamento. Morreu uma semana depois.
“Eu entreguei ele bonzinho para a clínica, falando, andando e me entregaram ele na cadeira de rodas, todo espancado. Estava com um nódulo, os olhos fechados, muito inchados, que estava até estufado o olho dele. Aí eu fiquei muito revoltada”, descreve Leuda Maria Pinheiro, irmã do José Luís.
Entidades questionam tratamentos
Raissa Palhano, da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Regional de Psicologia/MA, confirma que, em São Luís, ainda há espaços onde o paciente não é tratado com o devido respeito.
“Infelizmente, ainda existem espaços em que esse tipo de tratamento segregador, que isola, que impede da convivência dessa reinserção social dessas pessoas, infelizmente ainda estão muito presentes em muitos desses hospitais psiquiátricos no Brasil inteiro e no Maranhão não é diferente”, afirma.
Já a presidente do Conselho Regional de Psicologia /MA, Rosana Éleres, alerta que o modelo de prender o paciente em um espaço não é adequado.
“Esse modelo de trancar o indivíduo, das instituições totais, ele é incompatível com o que nós defendemos dos Direitos Humanos, da humanização do tratamento. Não tem como”
Maria de Freitas, diretora do Observatório Brasileiro de Direitos Humanos acredita que é preciso denunciar para que haja Justiça nesses casos.
“Os fatos, as declarações, as imagens são muito fortes. As provas são muito fortes. […] Agora, sobre o que vai acontecer, nós confiamos na Justiça. Acreditamos na Justiça. A Justiça vai ser feita e ela que vai determinar os culpados ou não”, declarou.
O que dizem as clínicas e o hospital
Sobre as irregularidades apontadas no relatório do Ministério Público, a clínica São Francisco de neuropsicologia disse que todos os problemas foram resolvidos e que passa por inspeções sanitárias regularmente. A clínica informou ainda que não responde a nenhum processo por tortura e maus-tratos, apesar do que Defensoria e Ministério público afirmam.
A respeito da denúncia de estupro no Hospital Nina Rodrigues, a Secretaria de Saúde do Maranhão afirmou que o caso está sendo investigado.
A reportagem não conseguiu contato com a clínica La Ravardiére.
Fonte: G1-MA